Abrão Slavutzy*
Há frases que entram na alma, sem pedir licença. Frases que não são esquecidas. Frases que dominam nosso espírito. Por que uma frase tem esse poder e milhares de outras não, isso tem a ver com a vida de cada um. Na história de uma pessoa, contam muito as palavras, pois é com elas que nos humanizamos. O simples ato de entender as palavras e falar já envolve o aprendizado e a importante capacidade simbólica. A palavra é o símbolo de algo. As palavras e frases marcantes são destacadas de uma conversa, da leitura de um livro ou de um jornal. Há alguns dias, li uma frase, sobre a qual agora escrevo.
“Não se isolem” foi a frase com que o argentino José Iglesias respondeu à pergunta do jornalista de ZH sobre como conviver com a dor. A dor, no caso, foi a perda de seu filho Pedro numa casa noturna de Buenos Aires, em 2004. Disse na entrevista que é necessário compartilhar o sofrimento, que isso é a melhor das terapias. Na verdade, nunca é natural que pais enterrem seus filhos. Recordo a vó, a Bobe, com mais de 80 anos, ao ser informada de que sua filha morrera. Ela bradou contra o Todo-Poderoso, gritou perguntando por que Ele havia feito aquilo. E, faz um ano, estive no enterro de um jovem; um dia inesquecível, de muita tristeza.
“Não se isolem” é importante para todos, pois dependemos uns dos outros. Hoje, a internet facilitou a comunicação, o mundo vai sendo, cada vez mais, uma aldeia. Para os mais tímidos, é possível não se isolar navegando na realidade virtual. “Não se isolem” pode ser uma boa orientação aos depressivos, cuja tristeza pode gerar o isolamento. Ao se sentirem abatidos, envergonhados com fracassos ou perdas doídas, buscam desaparecer. Como se lhes faltasse o chão para pisar, e caem, afundam, se deprimem. Depressões são as formas como se pode reagir diante dos desamparos. Depressivos guardam para sempre suas ilusões perdidas e podem mais sobreviver que viver.
Alguns chegam a dizer que só estão esperando a morte. Na verdade, a morte não se espera, na hora que for, ela chegará; mas, às vezes, a morte enlouquece e chega fora de hora. Uns não superam o doloroso luto, como ocorreu com o pensador francês Roland Barthes diante da morte de sua mãe. No seu livro Diário de Luto, as palavras e letras choram sem parar. Por isso, ele não pôde viver muito tempo depois da morte dela.
Às vezes, o isolamento faz bem, é a capacidade de ficar só. Podem ser tempos tristonhos, mas criativos, momentos de um processo gradual de mudança. Diante de perdas, mortes, separações, fracassos, há os que, aos poucos, vão atrás de “mudar a vida”, como escreveu Rilke em seu poema. Por meses, ou até anos, é possível se viver como morto. Um dia, algo acontece e se entra numa vita nuova, diria Dante, se abre uma vida nova. Quem não passou por essa experiência pode considerar impossível, mas acreditem: é possível. Há muitos, como José Iglesias, que realizaram essa travessia. Atravessam a ponte da mortificação e vão aceitando, aos poucos, que a vida continua.
*PSICANALISTA
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