sábado, 17 de novembro de 2012

QUANTO VALE A INTUIÇÃO?

REVISTA ISTO É N° Edição: 2245


Novos estudos comprovam que o processo intuitivo é muito mais racional do que se imaginava. E que o instinto é uma ótima ferramenta para tomar decisões na vida profissional e pessoal. Saiba como. 


João Loes



VENCENDO COM O INSTINTO
Ouvir e agir de acordo com a intuição já deu ótimos resultados
para pessoas das mais diversas áreas

É só prestar atenção nas grandes livrarias. Há alguns anos, o tema intuição deixou de frequentar apenas as estantes esotéricas e místicas e migrou para os títulos de psicologia, psiquiatria e neurociência. Dezenas de estudos científicos inundaram os escaninhos das mais prestigiosas universidades do mundo para comprovar que o instinto humano não só existe, como pode ser ensinado e aprimorado. “Há vencedores do prêmio Nobel estudando a intuição”, diz Eugene Sadler-Smith, professor de comportamento organizacional na Escola de Administração da Universidade de Surrey, na Inglaterra. Agora, ela também foi adotada no ambiente de trabalho. Empresas já tratam a intuição como característica desejável em entrevistas de emprego, Exércitos a utilizam para treinar soldados e companhias determinam estratégias de negócio com base nela, um processo mais racional do que se imaginava.


SINAIS
É raro, mas a intuição pode vir na forma de sonho. Cibele Felix sonhou
com o fim do relacionamento de 15 anos e a traição do companheiro

Profissionais das áreas de psicologia e neurociência definem intuição como uma habilidade do cérebro de processar informações inconscientemente, para depois apresentar, de forma sucinta, uma nova percepção da realidade. “O processo intuitivo se caracteriza pelo ato de pensar sem fazer esforço”, diz Tilmann Betsch, pesquisador do departamento de psicologia da Universidade de Erfurt, na Alemanha. Mas essa espécie de insight instintivo caminha lado a lado com a experiência, garantem os especialistas. É muito mais fácil, por exemplo, ter uma intuição depois de anos de profissão. A segurança do conhecimento faz brotar com mais facilidade a capacidade intuitiva, dizem.


APOSTA
Romero Rodrigues começou seu negócio na internet aos 21 anos com R$ 100.
Multimilionário aos 35, diz que suas decisões sempre tiveram um componente intuitivo

Presidente-fundador do site de comparação de preços Buscapé, o multimilionário Romero Rodrigues, 35 anos, afirma que sempre prestou muita atenção à sua intuição. Desde quando, aos 21 anos, fundou com três amigos a página da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), investindo R$ 100. Foi com a ajuda dessa percepção aguçada que ele buscou investidores nos primeiros dez anos do site, comprou concorrentes como o Bondfaro, do Rio de Janeiro, e vendeu o Buscapé, em 2009, para o grupo sul-africano Nespers, por R$ 600 milhões. “As vezes em que não dei atenção à minha sensibilidade, me dei mal”, diz o empresário.


EXPERIÊNCIA
Pesquisa da Universidade de Oxford mostrou que médicos que respeitam a própria
intuição são mais eficientes - caso da pediatra Cristiane Rios, que chega a dispensar exames

“Aos poucos a intuição está recebendo o valor que merece no ambiente de trabalho”, diz Eugênio Mussak, diretor de pesquisa da sessão nacional da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH). Para Mussak, essa é uma qualidade que as pessoas ainda não colocam no currículo, mas já perceberam que tem potencial para fazer a diferença no dia a dia. Um estudo feito em 2011 pela Sloane School of Business, do Massachusetts Institute of Technology (MIT), por exemplo, mostrou que 80% das decisões de posicionamento de marca e análise de mercado em grandes empresas americanas foram feitas com base na intuição de seus presidentes. A tendência foi confirmada em outro trabalho, de 2012, conduzido pela Universidade de Iowa, também dos Estados Unidos. Nele, ficou comprovado que em bancos de investimento corretores recorrem à intuição para decidir se devem ou não investir em uma companhia sobre a qual não há muita informação disponível. Até o Exército americano está debruçado sobre o tema. O Escritório de Pesquisa Naval dos Estados Unidos criou um programa para estimular a intuição de seus soldados. Nele, foram criadas estratégias para fazer aflorar o instinto, por meio, inclusive, de simulações de batalhas virtuais. “Ela não só é importante, como em algumas situações acaba sendo o único recurso disponível na hora de tomar uma decisão”, diz David G. Myers, professor de psicologia da Hope College, nos Estados Unidos. “Ignorá-la é abrir mão de um poderoso recurso.”


ATENÇÃO
Gerente operacional de uma rede de franquias, Fabiana Cordeiro
usa seu poder intuitivo para selecionar candidatos franqueados

Carlos Fernando Siqueira Castro, sócio e fundador da Siqueira Castro Advogados, diz que sempre deu ouvidos à sua intuição, principalmente no ambiente de trabalho. Admirador de figuras como Ayrton Senna e Steve Jobs, notórios por sempre fazerem uso de seu instinto (leia quadro na página 73), ele fala como um verdadeiro entendido no assunto. “A intuição tem duas etapas”, afirma. “A primeira é o instinto em si, que muitas vezes se manifesta apontando caminhos diametralmente opostos aos que a razão e a análise sugerem.” A segunda é a coragem de agir de acordo com esse sentimento. “Essa é a parte mais difícil.” E o advogado conhece bem essa dificuldade. Foram muitos os momentos de ruptura na Siqueira Castro capitaneados por ele e questionados por muitos de sua equipe. Um deles foi a decisão de investir na federalização da rede, iniciativa pouco usual entre os escritórios de advocacia do País, dados os riscos e o volume de investimentos requeridos para marcar presença em todos os Estados. Ou, ainda, a expansão para mercados estrangeiros pouco tradicionais, como Europa e África, além da mudança da sede, originalmente no Rio de Janeiro, para São Paulo. “Entendo que são decisões que tomo com segurança por causa da minha experiência”, diz Siqueira Castro. “Mas essa segurança chega a mim quase sempre pela intuição.”


SATISFAÇÃO
Elaine Ishibashi seguiu a intuição e trocou uma bem-sucedida
carreira no mercado corporativo pelo empreendedorismo

É possível desenvolver a habilidade de agir por instinto. E a demanda por gente capaz de fazer aflorar essa capacidade, principalmente no ambiente de trabalho, vem aumentando. “Vimos o interesse pela intuição explodir nos nossos grupos”, diz Daniel Delarossa, sócio-fundador do Zymi Group Brasil, dedicado à formação de empreendedores, líderes e gestores empresariais por meio de coaching. Nas atividades que aplicava, Delarossa tinha pequenos capítulos dedicados à intuição no âmbito profissional e via brilhar os olhos dos empresários quando o assunto surgia. “Resolvemos, então, criar um módulo inteiro só de intuição no ambiente de trabalho”, diz Delarossa (leia quadro abaixo com orientações dele e de outros especialistas para você desenvolver sua intuição). O primeiro grupo se reúne este mês em São Paulo. Em sessão única com oito horas de duração, ele já conta com mais de 40 inscritos e, com o tempo, deve ser oferecido em outras capitais brasileiras como Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre e Recife. “Também queremos levar o curso de intuição empresarial para dentro das empresas”, afirma Delarossa.


OPORTUNIDADE
O advogado Carlos Fernando Siqueira Castro costuma associar instinto
a coragem. Assim, tomou decisões ousadas como empresário

Na “Toca do Biscoito”, uma franqueadora carioca de lojas de doces, nunca foi ministrado um curso de desenvolvimento de intuição, mas Fabiana Cordeiro, gerente de expansão da marca, sempre se valeu dela. Quando recebe candidatos a novos franqueados, Fabiana precisa fazer uma avaliação rápida do perfil da pessoa que pretende abrir uma loja. E depois de mais de 500 avaliações, ela admite ter alguma sensibilidade. Certa vez, uma mulher bem arrumada e articulada apareceu na empresa querendo abrir uma filial. Rigorosa, a candidata anotava tudo, parecia entender do negócio e se mostrava excepcionalmente eficiente. “Tudo sugeria que ela seria uma boa franqueada, mas alguma coisa não me parecia certa”, afirma a gerente. O processo continuou sem sobressaltos até que um dia a tal candidata enviou um e-mail a seu advogado e, por engano, copiou Fabiana. Nele estava detalhado um maquiavélico plano. A moça queria abrir a loja para logo depois processar a franqueadora, numa espécie de golpe para recuperar o dinheiro investido e ainda receber alguma indenização. “Sabia que tinha alguma coisa errada”, diz Fabiana. “Se tivesse respeitado minha intuição, teria economizado tempo.”



Se no ambiente corporativo a intuição já ganha espaço, na medicina ela ainda é vista com ressalvas. Mas uma pesquisa conduzida pela Universidade de Oxford, publicada em setembro, começa a mudar essa escrita. Nela, 3.890 casos de atendimento pediátrico com crianças de 0 a 16 anos de idade foram esmiuçados e ficou evidente, pelo levantamento, que nas consultas em que os profissionais respeitaram a própria intuição, os tratamentos foram mais eficientes. “O treinamento deve deixar explícito que as suspeitas e os sentimentos inexplicáveis dos médicos são uma importante ferramenta de diagnóstico”, afirmava o texto do trabalho. A pediatra paulistana Cristiane Rios, 33 anos, sabe disso. Com dez anos de prática e seis de consultório, ela desenvolveu a habilidade de ler pacientes e seus pais aflitos logo que eles chegam para uma consulta. “Não é sexto sentido, é experiência que parece que se condensa na minha intuição”, diz ela, que chega a dispensar exames com base no seu instinto.



Apesar de os estudos se voltarem mais para o âmbito profissional, é sabido que a vida pessoal é terreno fértil para a exploração do instinto. Os lampejos intuitivos da professora de dança paulistana Cibele Felix, de 33 anos, por exemplo, a acompanham desde a infância e, recentemente, têm se apresentado com mais clareza e objetividade em seus sonhos. Foi enquanto dormia que Cibele viu o fim de um relacionamento de mais de 15 anos. “Não tinha nada de errado acontecendo entre a gente, tudo parecia bem, mas vivia tendo sonhos sobre o fim do relacionamento”, diz. Neles, o companheiro abandonava Cibele para viajar. Ela acordava aflita, com o coração apertado e desconfiada. “Minha intuição não costuma falhar”, diz.

Segundo especialistas ouvidos por ISTOÉ, não é comum sonhos trazerem manifestações intuitivas tão completas e diretas quanto as de Cibele. Em casos de fim de namoro, por exemplo, a intuição, principalmente em sonho, costuma vir na forma de uma mensagem mais cifrada, sugerindo um desconforto genérico com um homem que não precisa necessariamente ser o companheiro. “Em alguns casos, porém, acontece de a mensagem vir completa sim”, diz Liliana Wahba, professora-doutora de psicologia na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e analista junguiana, escola de psicanálise que dá especial atenção aos sonhos. “O que ela viu enquanto dormia traduziu, de forma objetiva, o que ela já vinha percebendo inconscientemente, mas não conseguia articular”, afirma Liliana. Os 15 anos de convivência deram a Cibele uma sensibilidade maior às mudanças do companheiro, mesmo quando nem ela percebia, de forma consciente, que algo nele havia mudado. Cerca de duas semanas depois do sonho, o relacionamento de Cibele acabou e ela chegou a antever, em outro sonho, quem era a nova namorada de seu antigo amor. “Às vezes essas histórias até me assustam”, diz ela.



Não deveriam. “A intuição não é mística, esotérica nem religiosa”, afirma a psicóloga Inês Cozzo. “Ela é simplesmente mais uma fonte de informação”, diz. Mas como não se assustar quando a intuição surge de forma cristalina, sugerindo mudanças que têm impacto tanto na vida profissional quanto na pessoal? Com a paulistana Elaine Ishibashi, 37 anos, foi assim. Profissional de marketing bem-sucedida, com passagens por grandes multinacionais, Elaine tinha tudo para seguir carreira. Qual não foi sua surpresa quando se viu impelida a largar tudo e abrir um negócio. “Passei anos reprimindo a intuição em nome da análise, dos relatórios de performance e das medições que o mundo corporativo exigia de mim”, diz Elaine. “Mas tomei coragem e resolvi dar ouvido à minha intuição.” A decisão teve impactos para além da vida profissional. Hoje Elaine vive com renda inferior à que tinha quando trabalhava com marketing e tem de conviver com os altos e baixos do empreendedorismo. “Mas estou mais feliz do que nunca”, diz ela, que espera ver seu negócio de impressão de fotos digitais deslanchar. Sua intuição diz que vai dar certo.

Fotos: Rogério Cassimiro; João Castellano/Ag. Istoé; Masao Goto Filho e João Castellano/Ag. IstoÉ - DIOGO MOREIRA/FRAME/AE; Fran Monks; Jeff Chiu/AP Photo; Jean-Paul Pelissier/Reuters

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