domingo, 26 de junho de 2011

A ESTÁTUA QUE CANTAVA NO DESERTO


Todas as manhãs, durante dois séculos, um gigante de pedra com mil quilos de peso e 18 metros de altura cantava uma melodia triste no deserto do Egito. Parece lenda, mas é verdade: a grandiosa estátua, que ainda existe, entoava uma melodia ao alvorecer, na entrada da antiga cidade de Tebas.

O monumento fazia parte de uma dupla de esculturas chamadas “Colossos de Mêmnon”. Elas estão sentadas com majestade eterna no local onde foi plantada a velha capital egípcia, destruída mais tarde por Alexandre Magno.

Esse Mêmnon foi rei da velha Etiópia. No fim da Guerra de Troia, ele se aliou ao rei Príamo, que resistia na cidade sitiada pelos gregos. Tratava-se de um guerreiro poderoso, que fez seu nome no campo de batalha, mas pereceu “sob a destra do invicto Aquiles”, segundo um autor pós-homérico.

Para os gregos, a estátua de Mêmnon cantava em saudação a sua mãe, Aurora, que vinha beijá-lo com meiguice a cada nascer do sol. A música melancólica que saía diariamente do enorme bloco de pedra encantou o mundo antigo. Turistas de toda parte iam ver o monumento e nele inscreviam seus nomes. Um desses antepassados dos grafiteiros foi o imperador Adriano, que visitou o Egito por volta do ano 100 e voltou para Roma maravilhado com o milagre.

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Tudo muito lindo. Mas a realidade não é exatamente assim.

Em primeiro lugar, os Colossos de Mêmnon não são de Mêmnon. Eram as estátuas do faraó Amenhotep III, que reinou no Egito no século 13 antes de Cristo. Uma das estátuas de fato “cantava”, mas não era uma saudação à Deusa Aurora. É que, em 27 a.C., um terremoto mutilou a escultura, escavando-lhe uma pequena fenda. O orvalho da noite penetrava nesse espaço e, de manhã, o sol o aquecia e fazia a pedra se dilatar. A dilatação e a evaporação provocavam o som que os gregos diziam ser o “canto” do rei morto em homenagem à sua mãe divina.

No século 2, o imperador romano Séptimo Severo ordenou uma restauração das estátuas, a brecha aberta pelo terremoto foi fechada e o Colosso se calou para sempre.

Quebrou-se o encanto.

Eu, aqui, preferia que não tivessem consertado os Colossos, preferia que a pedra continuasse cantando e que os cientistas não tivessem explicado nada disso. Eu preferia a ilusão.

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Certos mitos têm de ser preservados. Grêmio e Inter arriscaram-se quando convocaram dois de seus maiores mitos, Renato e Falcão, para a realidade chã de dirigir seus times no século 21. Renato permanece intocável à ação das misérias do dia a dia. É mais fácil que toda a direção do Grêmio saia maculada por algum revés do que ele, seja lá o que aconteça. Mas Falcão... Falcão, se seu time não reagir logo, corre o risco de virar um ídolo descaído.

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A principal diferença entre Renato e Falcão não é a capacidade maior ou menor de um e outro, nem o time melhor ou pior que um e outro têm à disposição. Não. A principal diferença é a postura que eles adotaram ANTES de assumir o comando de seus times. Durante 15 anos, Falcão abdicou da sua condição de ídolo. Durante 15 anos, Falcão empenhou-se para se mostrar isento, indiferente às paixões. Os comentários e as colunas de Falcão foram sempre cautelosos, quase anódinos, jamais emocionais. Falcão comentava o jogo do Grêmio com a mesma equidistância com que comentava o do Inter. Não houve nada parecido com um torcedor em Falcão, nesse tempo todo.

Renato, ao contrário, não perdia oportunidade de reafirmar seu amor pelo Grêmio e de repetir que sonhava um dia ser o treinador do clube.

Renato, até hoje, é o colosso de pedra que canta; Falcão emudeceu há muito tempo no coração sensível do torcedor.

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