domingo, 21 de dezembro de 2014

O BEIRA RIO COMO LEGADO

ZERO HORA 21 de dezembro de 2014 | N° 18020


ENTREVISTA

GIOVANNI LUIGI. Presidente do Inter



Giovanni Luigi passará as chaves do Beira-Rio para Vitorio Piffero no dia 5 de janeiro, depois de quatro anos como presidente do Inter. Recebeu de herança um time marcado pela histórica derrota para o Mazembe. No Beira-Rio, máquinas sobre os destroços do que um dia foi a social. A obra para a Copa do Mundo havia se iniciado, ainda que aquele fosse apenas o começo de um drama que se estenderia por mais 14 meses, até que a parceria com a Andrade Gutierrez fosse consolidada, por meio de um ultimato da presidente Dilma Rousseff.

E os problemas se sucederam: da crise com o vice de futebol Roberto Siegmann à batalha judicial com o São Paulo por Oscar, o Caso Jô, o Beira-Rio em ruínas, os jogos em Caxias do Sul e em Novo Hamburgo. Leandro Damião foi a grande venda de seus dois mandatos, ainda que a de Oscar tenha sido a mais rumorosa.

Luigi manteve a média de um título por ano. Ganhou todos os Gauchões, a Recopa de 2011, a batalha pelas estruturas temporárias exigidas pela Fifa, entregou um Beira-Rio novo e do Inter, viu a Copa do Mundo em casa e, ao finalizar o mandato, obteve um amplo terreno em Guaíba, onde será erguido o novo CT. Veja os principais momentos dos últimos quatro anos de Luigi nas palavras do próprio Luigi.

Em quatro anos como presidente do Inter, Luigi fala de erros e acertos durante sua gestão




O senhor começou as conversas para contratar Fred?

Tem outros nomes. Mas uma coisa que o clube conquistou nos últimos anos, na década, foi: todo mundo quer jogar no Inter. Isto aqui é o paraíso. Não atrasei nada, um dia sequer. Se tivesse que atrasar, chamaria e diria: “Olha, não vou conseguir pagar no dia”.

Mas acaba o ano com déficit.

Déficit é óbvio que tem. O Inter tem conta com Timemania, o saldo é grande, mas, comparado com outros, é pequeno. É como financiar apartamento: R$ 100 mil, dois anos depois deve R$ 200 mil. É uma conta muito alta (mais de R$ 100 milhões). Paguei todos os impostos, salários e direitos de imagem nestes quatro anos. Não vamos ficar nem no cheque especial. E teremos ativos para deixar ao próximo presidente, além de vários jogadores da base. E isto é dinheiro, cedo ou tarde. Temos o contrato da Nike para renovar, 10% para receber da venda do Sandro, do Tottenham para o Queens Park Rangers (R$ 5 milhões), pois mantivemos este percentual dele.

O senhor ficou surpreso com o contexto político da eleição?

Não houve surpresa. Nós fomos nós mesmos. O clube está num momento muito bom. Temos patrimônio, pagamos em dia. Tratei da pré-temporada de 2015 em setembro, com os dois candidatos. O Grêmio estava indo para Gramado, acho ruim os dois clubes na mesma cidade, mudamos para Bento Gonçalves, sempre com a permissão dos dois candidatos. Agora, o Fluminense perdendo a Unimed, se abriu um leque. Guerrero (o atacante corintiano), andei tratando disto. Avançamos ao máximo.

O que fará depois?

Vou exercer a minha profissão (é administrador da rodoviária de Porto Alegre), cuidar da família e da saúde. Tenho cadeira perpétua, meu pai ajudou desde o começo na construção do Beira-Rio. Virei aos jogos. O Fernando Carvalho me convidou, ele tem camarote.

E sai pensando em voltar?

Saio pensando em cuidar da vida. É preciso dar oportunidade a outras pessoas, ver o que é melhor para o clube. Às vezes, é voltar. Às vezes, dar chances aos outros.

Ainda falta alguma coisa a ser encaminhada do Beira-Rio?

Estou negociando com a prefeitura o terreno da Rua C (ao lado do edifício-garagem, em direção às escolas de samba) para que seja do Inter. Perdemos a metade da cessão onerosa que tínhamos, para a construção da Rua A (ao lado do Gigantinho). Perdemos áreas por causa da ampliação da Avenida Padre Cacique. O Inter tem direito a indenização de R$ 12 milhões. Ou recebe isto em patrimônio, que é o que estamos pedindo. Quem não vai querer comprar um imóvel ou alugar uma sala no complexo Beira-Rio? E há o CT de Guaíba ainda, um patrimônio fantástico. Acho que deveria se chamar Fernando Carvalho, em homenagem.

O que está por vir, a partir do aproveitamento do Beira-Rio?

O negócio foi extraordinário. Assumo em janeiro de 2011 com a social em obras. Em 2012, jogamos com lona preta no estádio. Em 2013, 69 partidas fora. Em 2014, o Beira- Rio pronto, não podemos jogar o Gauchão porque a Brigada Militar não autorizou. Jogamos em Caxias porque a Fifa havia assumido o estádio. Gerou desequilíbrio técnico e financeiro. É só ver o aproveitamento deste ano em casa: 82%.

Mas faltaram grandes títulos.

Os três primeiros anos foram prejudicados pelo estádio. Este ano, faltaram peças à altura dos titulares, um grupo mais encorpado.

Leandro Damião foi o grande negócio deste período?


Oscar também foi um.

Como acha que será conhecido como presidente?

O importante é que a sequência de ao menos um título por ano foi mantida, desde 2002. Tem gente que não ganha nem isto e comemora título de time africano.

E o legado que fica?

Temos um grande potencial de crescimento, a médio e longo prazos. Mantivemos a supremacia no Gre-Nal. Somos o primeiro clube no Brasil a faturar mais com o estádio do que com a TV. Temos estádio próprio. Daqui a um ano, poderemos atingir 140 mil sócios, conforme for a temporada, com arrecadação de R$ 9 milhões mensal só com os associados.

Valeu a pena o sofrimento da espera pela Andrade Gutierrez?

Muito. O Beira-Rio é um orgulho para todos os colorados. Houve um momento em que tive dúvidas. Via o outro estádio (a Arena) crescendo e o nosso, parado. Queria ganhar o Brasileirão, não deu. Quando assumimos o clube, muitos anos atrás, mal havia jogadores na base. Bem ou mal, chegamos em terceiro no Brasileirão.

Que nota dá para sua gestão?

Deixo isto para os outros.

Dos treinadores que contratou, se arrepende de algum?

Não. É muito fácil, depois do que aconteceu, dizer que deveria ter ido para lá ou para cá.

Uma alegria e uma tristeza nestes quatro anos?

Ganhar o primeiro Gre-Nal da Arena e a festa de reinauguração do Beira-Rio. De tristeza, a decepção com algumas pessoas. Poucas.

O senhor chora?

Tive muitos momentos de estresse. Mas extravasei. Agora contra o Figueirense, no Gre-Nal da Arena, no Gre-Nal de 2011 (quando o Inter foi campeão gaúcho no Olímpico), na festa do estádio. Não precisa chorar para extravasar.

Como se explica a queda de Damião no Santos?

Ele vai dar muitas alegrias, onde estiver jogando. Em abril, sentiu o púbis. Dizem que é uma dor insuportável. Não cura rapidamente. Damião precisa de continuidade.

Vale o mesmo para o Luque, que operou o púbis?

Vale. Agora, fazendo uma boa pré-temporada. Luque tem uma velocidade impressionante, um potencial enorme para estourar em um médio prazo.

Por que Aránguiz caiu de produção?

Penso que sentiu o desgaste, muitas viagens longas, a Copa, só pedreiras, de quarta a domingo. Ficou sobrecarregado fisicamente. Mas vai mudar agora, com a Libertadores e calendário melhor.

Valeu a pena a reeleição?

Valeu. Ficou a marca da entrega do estádio, do grande negócio, do grande legado. Nada disto teria dado tempo em dois anos.

O Inter virou refém de um grande treinador? O vestiário rodado e caro não permite um emergente?

Um emergente é uma aposta, e às vezes não dá certo. Para conduzir o Inter na Libertadores, é preciso um treinador experimentado, rodado, cacifado. Pode até não ter ganho a Libertadores. Hoje, quais são os acima de qualquer dúvida? Felipão, Muricy, Mano, Abel, Tite e Marcelo Oliveira.

Neste sentido, Fernandão foi um erro em 2012?


Como treinador, sim. Pelo momento em que ele assumiu, no meio da caminhada do ano.

O que representou inaugurar a estátua de Fernandão?

Tinha uma relação muito especial com ele, uma pessoa de nível superior, tinha tudo para ser um grande executivo no clube. A estátua simboliza o que ele representou, ficará sempre como capitão da Libertadores e do Mundial. O clube soube escutar o desejo da torcida.

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