FOTOS DIGITAIS
Recordar é viver, mas fazer backup é preciso
ITAMAR MELO
Você já parou para refletir sobre a vida útil das suas fotografias digitais? Smartphones e câmeras modernas desencadearam uma revolução comportamental, permitindo que se fotografe muito. O tempo todo. O que autores de tantos cliques estão descobrindo é que tamanha tecnologia não é sinônimo de segurança. DVDs mofam, CDs arranham, pen drives são perdidos. Temendo o pior, há quem recorra às velhas imagens em papel.
Na primeira noite em que recebeu permissão dos pais para ir a uma balada com amigas, aos 15 anos, Paola Mlanarczyki registrou na sua câmera digital cada detalhe da autonomia recém-conquistada. Foram dezenas de cliques, iniciados ainda em casa, enquanto se produzia com maquiagem e salto alto, e depois no pub onde a festa ocorreu, quando se divertia embalada pela música.
Passados sete anos, resta à universitária de São Leopoldo a alternativa de garimpar na memória quando deseja resgatar qualquer imagem daquela noite especial. As fotografias não sobreviveram. Sumiram, junto com todas as outras dos seus anos de Ensino Médio. Estavam em computadores que pifaram.
– É uma lacuna de três anos da minha vida – lamenta Paola.
Essa experiência é hoje uma amargura coletiva. Em menos de uma década, câmeras digitais e smartphones desencadearam uma revolução comportamental. Nunca se fotografou tanto. São dezenas de fotos em um dia qualquer, centenas em um fim de semana na praia, milhares durante uma viagem de férias.
O que os autores de tantos cliques estão descobrindo é que tanto passado pode não ter nenhum futuro. Discos rígidos queimados, DVDs com mofo, pen drives perdidos e tablets furtados estão apagando para sempre os registros de uma geração. Para quem não mantinha cópias, sobrevivem as velhas fotos da infância, fixadas por cantoneiras em um álbum legado pelos pais.
É um drama que atinge até os profissionais. Um fotógrafo de Porto Alegre que pede para não ser identificado perdeu 100 gigabytes em imagens de clientes, muitas delas por entregar, por causa de um problema em seu HD externo. Ficou com um prejuízo de R$ 40 mil.
– Tive problemas psicológicos sérios – revela o fotógrafo.
Desde então, o profissional adota um método que inclui salvar as fotos em cinco lugares diferentes. São mil DVDs consumidos a cada ano. Precauções dessa ordem, no entanto, não estão disseminadas entre os usuários comuns. A universitária de Esteio Marina Martins, 20 anos, dispõe de mais fotos da infância, conservadas pela mãe em papel, do que da adolescência, evaporadas em percalços com CDs e pen drives. Apesar do dissabor, continua a manter os arquivos em um único lugar:
– Espero não ter problemas de novo, porque tenho no computador todo o crescimento do meu filho, semana a semana.
Com a ideia de se resguardar desse perigo, a química de Canoas Poliana Leotte, 34 anos, adquiriu há alguns dias um HD externo, para onde copiou milhares de fotos que estavam espalhadas por desktops, notebooks, CDs, DVDs e cartões de memória. A sensação foi de alívio.
– Isso me deixou mais tranquila. Eu estava com medo. Ainda hoje me entristeço quando lembro que, em 2007, perdi as fotos de um ano inteiro, porque o notebook do meu marido queimou. Aquele é um ano que existe só na lembrança – conta.
Uma talibã de fotos impressas
Paola Mlanarczyki, a jovem de São Leopoldo que ficou sem as imagens da primeira festa de adolescente, preferiu abraçar uma solução retrô. Virou uma talibã da fotografia impressa. Ela revela todas as suas imagens. São mais de 800 fotos colocadas no papel nos últimos tempos.
– Insisto para todo mundo fazer o mesmo. São esses álbuns que vão sobreviver para nossos filhos e netos – prevê.
Segurança com os registros em papel
Para que as fotos de sua filha tenham um futuro, a bancária Fernanda Lange, 30 anos, recorre a um costume do passado. Desde o nascimento de Isabelle, há três anos, ela documenta o crescimento da menina no estúdio de uma fotógrafa profissional – comportamento típico do tempo em que as famílias não tinham câmera em casa. Vivendo na era das imagens instantâneas e espontâneas captadas pelo celular, Fernanda viaja mais de 100 quilômetros para registros posados, com iluminação estudada. As imagens são impressas e organizadas em álbuns.
– Queria fotos trabalhadas. Quando crescer, a Isabelle vai poder ver toda a infância dela. Imprimi-las em papel me dá segurança de que vão perdurar. Tenho muitas fotos em formato digital, mas essas vão se perdendo com o tempo – explica Fernanda.
Para as sessões, a bancária faz viagens de Porto Alegre a Estrela, onde fica o estúdio que elegeu. No primeiro ano de vida da filha, fez questão de pegar a estrada uma vez por mês.
Preservação da memória em risco
O período de maior massificação da história da fotografia pode ser também uma era de vazios na conservação da memória fotográfica. A questão preocupa historiadores, receosos de que a perda de arquivos digitais prive os pesquisadores do futuro de imagens relevantes deste início de século.
A professora Maria Lúcia Bastos Kern, do laboratório de pesquisa da imagem e do som da pós-graduação em História da PUCRS, observa que o prejuízo, além de familiar, pode ser coletivo:
– Preservar fotos é importante até no plano psicológico, de identidade do indivíduo. Cada um deve ter fotos da infância, para se reconhecer e reforçar a relação com a família. Mas, além disso, as imagens precisam ser conservadas porque revelam nossos modos de vida e práticas sociais. Todas as memórias individuais, em um mundo diversificado como o atual, serão importantes para os investigadores do futuro. A perda desse acervo é um problema sério, que preocupa arquivos e museus. Com as mudanças de tecnologia que estão ocorrendo, não temos certeza de que as imagens vão permanecer.
O fato de vivermos a infância da fotografia digital desempenha um papel decisivo no atual processo de evaporação das imagens. Daniel Bittencourt, coordenador do curso de Comunicação Digital da Unisinos, acredita que a familiaridade decorrente do uso acabará por ensinar o leigo a proteger seu acervo. Superado este momento de transição, ele estaria vacinado contra os riscos:
– A fragilidade das alternativas de armazenamento disponíveis hoje não é maior do que na época do negativo. Mas agora temos uma segunda camada de fragilidade, a do desconhecimento. A descoberta de que todos os suportes são provisórios e de que o negócio da fotografia não é imagem, é memória, ainda precisa chegar a uma massa maior de pessoas.
O processo de reeducação fotográfica consiste em umas poucas regras, capazes de assegurar a sobrevivência dos arquivos para a posteridade. A primeira coisa a reter é que todos os suportes têm vida útil limitada, às vezes curta. Pelo menos a cada cinco anos é aconselhável migrar as fotos para uma nova mídia, mais moderna. Além disso, cada imagem deve ser mantida no mínimo em dois lugares diferentes.
– A gente diz que quem tem um não tem nenhum – ensina Marcelo Conterato, professor da especialização em Segurança da Informação do Senac.
ALTERNATIVAS E SEUS RISCOS
Uma tradição a cada geração
A família da publicitária Luísa von Mühlen Bettio, de Porto Alegre, ajuda a contar as transformações na forma de fotografar e conservar as imagens
Fonte: Jéssica Santos de Lima, da Fototeca Sioma Breitman
A família da publicitária Luísa von Mühlen Bettio, de Porto Alegre, ajuda a contar as transformações na forma de fotografar e conservar as imagens
Fonte: Jéssica Santos de Lima, da Fototeca Sioma Breitman
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